Advocacia e assessoria jurídica. Mestra em Direito - Novos Direitos Novos Sujeitos - pela Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP. Pós graduada em Direitos Humanos e Cidadania. Integrante da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares - RENAP Contato: mrosariodeoliveira@gmail.com
terça-feira, 18 de março de 2014
Ode a intolerância...
ODE A INTOLERÂNCIA: AMALOU, ABRASEL/MG E SUAS ORIENTAÇÕES FRENTE À POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA. Acesso em: http://www.adital.org.br/hotsite_ecumenismo/noticia.asp?lang=PT&cod=78742
Direitos Humanos: realidade e desafios.
Revista Pensar BH. Pg. 17. Acesso: file:///C:/Users/Instituto%20Nenuca/Downloads/pensar%20bh%2029%20(1).pdf
terça-feira, 11 de março de 2014
"Tira as sandálias, pois esta terra é sagrada".
Você que passa pela Av. Antônio Carlos, em Belo Horizonte, MG., talvez já tenha observado este lugar, a COMARP, Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis da Pampulha. Lugar que, como as demais associações e cooperativas de catadores, ao entrar, lembro-me da expressão bíblica: "tira as sandálias, pois esta terra é sagrada". Grupos de pessoas, em sua maioria mulheres, que vivem ali a trabalhar com a reciclagem. Sobrevivem do material que para muitos é considerado lixo. Urge a mudança de consciência coletiva, sobretudo dos gestores públicos, para avançar na valorização destes trabalhadores que prestam um serviço de fundamental importância para a cidade. Além de contribuir com a limpeza, o meio ambiente, conseguem garantir trabalho e renda para muitas pessoas economicamente vulneráveis. Este grupo vem se fortalecendo. São verdadeiros/as empreendedores/as. A coleta seletiva com a inclusão dos catadores hoje é uma exigência legal no Brasil e todos queremos o acesso aos direitos, viver com dignidade. Hoje, com este grupo, foi um aprendizado.
Belo Horizonte, 11 de março de 2014.
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro.
Belo Horizonte, 11 de março de 2014.
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro.
segunda-feira, 10 de março de 2014
QUEM SOU?
UMA FAÍSCA DE MIM...
Meu pai, homem do campo, nos breves contatos com uma professora, aprendeu apenas a escrever o seu nome. Minha mãe, também, do campo, estudou até a 4ª série do primário, como antes se dizia.
Ensinaram-me a contar os grãos de milho e feijão para plantar quando a chuva caia na terra seca do nordeste brasileiro. Mas, naquelas pequenas lições para plantar o milho e o feijão, ensinaram-me, sobretudo, que a terra, a seca, a água, as sementes, o estudar ou não, a partilha, a colheita, tudo é questão de direito, de justiça e de muita luta.
Minha mãe, com apenas aquela escolaridade, retirava da mesa os pratos do almoço e transformava o espaço em sala de aula. As crianças do campo, nossas vizinhas, recebiam dela as lições de uma mestra que, para além das cartilhas que vinham da prefeitura municipal, ensinava que todo conhecimento deve ser partilhado.
O que meus pais talvez não soubessem, naqueles gestos de simplicidade e compromisso solidário, era que colocavam no coração de cada filho e cada filha a sede de justiça e a paixão pelo conhecimento que transforma e constrói dignidade.
Quilômetros por dia (a pé) para chegar até a escola, mas quilômetros por dentro de estímulo e resistência na luta pelos Direitos.
A eles, painho e mainha e a cada um de meus irmãos, cada uma de minhas irmãs, minha eterna gratidão! (Parte de meu texto de agradecimento na monografia do curso de Direito).
Belo Horizonte, 10 de março de 2014.
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro.
Belo Horizonte, 10 de março de 2014.
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro.
Painho Miguel no seu habitat natural (Natal de 2013) e
Mainha Maria José (Zete), aos 17 anos. Partiu para a vida plena aos 48.
quarta-feira, 5 de março de 2014
CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2014
(lançada pela CNBB)
Liberdade vem e canta
e saúda este novo Sol que vem.
Canta com alegria o escondido
amor que no peito tens.
Mira o céu azul
espaço aberto pra te acolher
Mira o céu azul
espaço aberto pra te acolher
Liberdade vem e pisa
este firme chão de verde ramagem.
Canta louvando as flores
que ao bailar do vento
fazem sua mensagem.
Mira estas flores
abraço aberto pra te colher.
Mira estas flores
abraço aberto pra te acolher.
Liberdade vem e pousa
nesta dura América triste vendida.
Canta com o teu grito
nossos filhos mortos e a paz ferida.
Mira este lugar
desejo aberto pra te acolher.
Mira este lugar
desejo aberto pra te acolher.
Liberdade, liberdade
és o desejo que nos faz viver.
És o grande sentido
de uma vida pronta para morrer.
Mira o nosso chão
banhado em sangue pra reviver.
Mira a nossa América
banhada em morte pra renascer.
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
Ode à intolerância: Amalou, Abrasel-MG e suas orientações frente à população em situação de rua
No
dia 02 de outubro de 2013, o jornal O Estado de Minas veiculou matéria
intitulada “Bairro de Lourdes tenta evitar presença de mendigos”, que versa
sobre o posicionamento e ações empreendidas pela Associação dos Moradores do
Bairro de Lourdes (Amalou) e pela Associação de Bares e Restaurantes de Minas
(Abrasel-MG) em relação à presença da população em situação de rua no bairro de
Lourdes, em Belo Horizonte.
As
ações empreendidas com o aval das associações ilustram e reforçam o modo
extremamente agressivo e intolerante por meio do qual a população em situação
de rua é vista e tratada por parte da sociedade brasileira. O título da matéria
já começa com um tom injurioso e difamatório, o que contribui para legitimar as
ações empreendidas por aquelas associações e, ademais, reforçar o preconceito
embutido na palavra mendigo, se considerarmos sua origem etimológica: pessoa
que possui algum defeito e que, por essa razão, é considerada inapta ao
trabalho. A palavra é derivada do latim mendum
e traz consigo a ideia de “defeito”, “vício”, que, inerentes à pessoa,
precisam ser corrigidos, eliminados.
Ao
contrário, tratar esses indivíduos enquanto “pessoas em situação de rua”,
desloca o entendimento incitando-nos a lançar luz sobre os processos que os levaram
a viver nas ruas: não se trata de “mendigos”, “vândalos”, “viciados”, enfim, desestabilizadores
da ordem social. Devem ser compreendidos, portanto, os processos por meio dos
quais essas pessoas acabam fazendo das ruas seu espaço de sustento e moradia.
Em
outras palavras, muda-se a forma como se entende a situação dessa população,
não mais os compreendendo a partir de uma visão simplista que considera que
esses se encontram nessa situação “porque querem” ou “porque são vagabundos por
natureza” e outras explicações nessa direção. Trata-se, agora, de considerar os
fenômenos estruturantes que fazem com que determinadas parcelas da população situem-se
às margens da sociedade. Para compreender tais questões, é bom que se tenha
como ponto de partida a seguinte consideração do sociólogo francês Robert
Castel: “o processo através do qual uma sociedade expulsa alguns de seus
membros obriga a que seja interrogado sobre aquilo que, em seu centro,
impulsiona a sua dinâmica. É essa relação escondida do centro para a periferia
que deve ser desvendada: o coração da problemática da exclusão não está lá onde
encontramos os excluídos”.
Dito
o que está por trás, de um lado, da noção de “mendigo” e, de outro, do conceito
de “população em situação de rua”, passemos para os desdobramentos dessa
diferenciação. Mais esguichos de água nos jardins, negar alimentos (inclusive
os que estão prestes a vencer), deixar o lixo na rua no horário mais próximo da
coleta (para evitar que os catadores de materiais recicláveis façam do lixo o
seu sustento) reduzirá a população em situação de rua? Resolverá essa
resistente questão social que é a existência das pessoas em situação de rua? Não.
Tais iniciativas, incentivadas pela Amalou e pela Abrasel-MG, só ilustram a
forma agressiva e intolerante por meio do qual a população em situação de rua é
tratada principalmente nas regiões mais nobres das cidades. Ignoram o
entendimento de que se trata de um público também sujeito de direitos, como
todo ser humano. A postura dessas associações nos faz lembrar que todo direito
posiciona-se no campo dos conflitos, e que, nessas lutas para a garantia de
direitos, costumeiramente, são os interesses das elites políticas e econômicas
e daqueles situados nos estratos superiores de nossa pirâmide social que
prevalecem. Essas ações, incentivadas pela Amalou e pela Abrasel-MG, negam a
perspectiva do direito à cidade, que é um direito coletivo, de todos os
citadinos, e que não há como ignorar a existência de sujeitos específicos,
também produtores das cidades e que fazem parte dela, como é o caso da
população em situação de rua.
Ademais,
foi instituída em 2009, pelo Decreto Federal nº 7.053, a Política Nacional para
a População em Situação de Rua, que estabelece diretrizes e ações para a
construção de processos de saída das ruas. No nosso entendimento, qualquer
pessoa ou grupo de pessoas que queira se organizar junto das pessoas em
situação de rua deve o fazer para exercer sua cidadania no sentido de exigir a
efetivação de políticas públicas estruturantes e intersetoriais para essas
pessoas. E, para além da cidadania, faz-se urgente resgatar, em nossas ações
individuais e coletivas, a dimensão ética que passa, necessariamente, pelo
respeito ao outro, independentemente de sua condição social, nele reconhecendo
um ser humano, detentor de direitos e de dignidade.
Reiterando,
não há como ignorar os conflitos, os processos de produção e reprodução de
desigualdades de nossas cidades. Para que se revertam esses processos mais
amplos de precarização em curso no País, deve-se ter vontade política para
tanto. E em relação à população em situação de rua, a implementação de políticas
de moradia, geração de emprego e renda, e de saúde, considerando a
especificidade desse público, deve estar na lista das prioridades. Aí sim
estaremos contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e menos
desigual.
Pedro
Paulo Gonçalves. Técnico Cientista Social do Centro Nacional
de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos Catadores
de Materiais Recicláveis (CNDDH). Mestrando em Planejamento Urbano e Regional
pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ). Contato: pedropbg@gmail.com
Maria
do Rosário de Oliveira Carneiro. Advogada do Centro Nacional
de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e dos Catadores
de Materiais Recicláveis (CNDDH). Contato:
mrosariodeoliveira@gmail.com
terça-feira, 15 de outubro de 2013
O MONOPÓLIO DA TERRA E OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
“O
monopólio da terra e os Direitos Humanos no Brasil”
Maria Luisa Mendonça[1]
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro
Resenha
Crítica
INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende ser uma resenha crítica sobre o capítulo “O
monopólio da terra e os Direitos Humanos no Brasil,” escrito por Maria Luisa
Mendonça, na obra Desafios aos
Direitos Humanos no Brasil Contemporâneo, tendo como organizadores, Biorn
Maybury-Lewis e Sonia Ranincheski[2].
Trata-se de um trabalho de conclusão da Disciplina Direito, Movimentos Sociais
e Direitos Humanos, no Curso de Pós Graduação em Direitos Humanos. Na 1ª parte,
priorizaremos elaborar uma síntese do capítulo, acima referido. Na 2ª parte,
abordaremos outros elementos relacionados com o tema dos direitos humanos, isso
é, diálogo com o texto resenhado.
O MONOPÓLIO DA TERRA E OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
A introdução da obra, escrita pelos organizadores, afirma que no Brasil
há uma sociedade entre as mais desiguais do mundo. Segundo eles, o coeficiente
Gini do Brasil o coloca entre os dez países mais desiguais do mundo,[3]
mas a situação se torna pior por ser a maior nação, entre as mais desiguais,
tanto em economia como em população.
Para os autores, apesar de após o Governo Lula, com os programas de
transferência de Renda no Brasil, 12 milhões de famílias serem contempladas por
tais programas, as questões relativas a violações de direitos humanos não
desapareceram. Por exemplo, a taxa de homicídios tem aumentado muito e parte desta
é resultado de assassinatos praticados pela polícia.[4]
Os programas de transferência de renda visam muito mais aumentar o poder
de consumo das pessoas como se a inclusão passasse pela capacidade de consumo. Isto
tem gerado uma série de problemas, como o aumento de endividamento etc. Outra
questão que não se pode esquecer é a omissão da União, nestes anos de
“Constituição Cidadã,” em regulamentar o artigo 153 da atual Constituição
brasileira que prevê a criação do imposto sobre grandes fortunas. Talvez o mais
urgente no Brasil seja a distribuição equitativa de rendas e uma das formas
para começar a fazer isso seria criar o referido imposto e não com programas de
transferência de rendas com forte estímulo ao poder de consumo. A história
demonstra que nunca se consegue justiça através de inclusão pelo consumo.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) aponta para o fato de que de 1985 a 2009, em média, 2.709
famílias foram expulsas de suas terras e que 63 pessoas foram assassinadas em
luta por terras anualmente. Uma média de 13.815 famílias foram despejadas pelo
Judiciário, com medidas do Poder Executivo, cumpridas por policiais. Pessoas presas
por lutar por terras a média anual é de 422 pessoas. Foi constatado, à época,
92.290 famílias na luta pela terra e uma média anual de 6.520 ocorrências de
situações análoga ao trabalho escravo.
Pela classificação das Nações Unidas o Brasil pode ser considerado uma
nação em estado de guerra, pois para a ONU, uma nação está em “estado de
guerra” quando mais de 15 mil pessoas são assassinadas anualmente. O número
anual total de homicídios no Brasil, urbanos e rurais, varia de 40 a 50 mil, tendo se
aproximado dos 50 mil desde o ano de 2.000.
Temos contemplado, por exemplo, nos últimos anos no Brasil, um alarmante
número de homicídios de pessoas em situação de rua. Dados do Centro nacional de
Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de
Material Reciclável – CNDDH,[5] mostram
que de abril de 2011 a
dezembro de 2012, mais de 300 moradores de rua foram assassinados no Brasil e
neste número não estão todos os casos, só as notícias que chegaram ao CNDDH. As
pessoas em Situação de Rua são aquelas que, em sua maioria, sofrem todo tipo de
violação.
Para Maria Luisa Mendonça, coordenadora e editora nos últimos dez anos do
relatório anual sobre os direitos humanos no Brasil, da Rede Social de Justiça
e Direitos Humanos, e autora do Capítulo, objeto da resenha em tela, “quando analisamos os direitos humanos no
Brasil, constatamos que a concentração fundiária está relacionada à maioria das
violações, por representar a origem das desigualdades sociais e econômicas”.
A propriedade privada, a riqueza, bem como os recursos produtivos são
concentrados, efetivamente, causando a urbanização que tem caracterizado a
história do Brasil nos últimos 100 anos. Além disso, o apoio para esta desigual
distribuição tem sido política de governo.
Esperou-se que o Governo Lula e o Governo Dilma fossem fazer a Reforma
Agrária no Brasil, por ser um governo considerado como de esquerda, que se
construiu em diálogo com os movimentos sociais e populares e que foram eleitos,
em boa parte, pelo voto do povo trabalhador. Contudo, tais governos não fizeram
muito diferente dos anteriores. Aliás, ao invés de Reforma Agrária, construiu
alianças com o agronegócio deixando de lado o projeto de Reforma Agrária para o
Brasil.
As políticas de desenvolvimento e modernização iniciadas, ironicamente
por um conservador, o presidente Getúlio Vargas (1930-1954), continuam sendo as
políticas adotadas até hoje pelo governo Dilma escolhida não somente para dar
continuidade ao partido dos trabalhadores no governo. Modernização,
desenvolvimento e busca de grandeza constituem uma marca do desenvolvimento
que, desde o início do século XX até o presente, teve por fundamento uma
aliança entre os grandes proprietários de terra e as diversas encarnações dos
industrialistas brasileiros e estes últimos são agora tanto urbanos quanto
rurais.
Prova contundente desta aliança se deu durante o último ano da presidência
do governo Lula que dentre um dos seus últimos atos, autorizou a construção do
projeto hidroelétrico de Belo Monte no Rio Xingu. Isto, a despeito de o projeto
haver sido engavetado por mais de 20 anos por causa dos protestos indígenas e
dos aliados militantes brasileiros e internacionais. Trata-se de um projeto que
estará entre os três ou quatro maiores projetos hidroelétricos do mundo.
Em nome de um progresso para poucos, a barragem de Belo Monte inundará
mais de 500 quilômetros
quadrados de floresta virgem no sudeste da Amazônia, deslocará 40 mil indígenas
e atrairá 100 mil trabalhadores da construção civil e apoio para uma zona de
conflito já altamente volátil localizada no sul do Estado do Pará. Com bastante
previsibilidade aumentará mais anos de violência rural depois de concluída a
construção da barragem e hidrelétrica de Belo Monte.
Afirma a autora que há dez anos a Rede Social de Justiça e Direitos
Humanos publica um relatório anual que analisa direitos civis, político,
econômicos, sociais e culturais no Brasil. Um balanço deste período mostra que
o país segue sem enfrentar as principais causas das violações de direitos
básicos. Inconcebível que em pleno século 21 ainda não se tenha resolvido
problemas como a fome, o analfabetismo, a concentração fundiária, o enorme
déficit de moradia, o caos na saúde pública e o descaso com a educação, apesar
de ser o Brasil a 6ª maior economia do mundo.
Os relatórios mostram que as violações aos direitos humanos são
resultados de políticas econômicas neoliberais que geram maior desigualdade
econômica e social. A concentração fundiária no Brasil está relacionada com a
maioria das violações aos direitos humanos por representar a origem das
desigualdades sociais e econômicas. O Censo do IBGE de 2006 revelou que as
propriedades com menos de 10
hectares ocupam menos de 27% da área rural enquanto as
propriedades com mais de mil hectares representam 43% do total.[6]
O Brasil é apontado pelo IBGE como o país campeão em concentração de
terras, com um dos piores índices em concentração de rendas. Isto não permite
que o Brasil supere o problema da fome, pois, apesar de todo seu potencial
agrícola, dados do IBGE mostram que 14 milhões de pessoas passam fome e mais de
72 milhões vivem em situação de insegurança alimentar.
A reforma agrária é de suma importância para o conjunto da classe
trabalhadora, tanto do campo quanto da cidade. Quando os camponeses são
expulsos de suas terras, cria-se uma massa trabalhadora desempregada, passível
de exploração e gera maior vulnerabilidade entre os trabalhadores urbanos e
rurais. A manutenção da agricultura de subsistência tem um papel muito
importante para o conjunto dos trabalhadores.
Importante destacar a importância da agricultura camponesa. Apesar de
ocupar apenas um quarto da área, o IBGE constatou que a agricultura camponesa
responde por 38% do valor da produção e que 12,3 milhões de trabalhadores no
campo estão trabalhando com a agricultura camponesa, o que corresponde a 74,4%
do total dos trabalhadores do campo.
Contudo, os camponeses hoje estão no centro da disputa por bens naturais,
sobretudo nas regiões onde se concentra água, terra, minério e biodiversidade.
A disputa geopolítica se dá tanto no âmbito nacional quanto mundial. Com a
participação dos governos, o capital avança e agrava a exploração ambiental e
trabalhista, restando apenas a resistência dos camponeses e suas organizações
no combate a tal exploração.
O latifúndio no Brasil continua sendo beneficiado pelo Governo e a
fronteira agrícola continua se estendendo. A relação entre a concentração
fundiária e o apoio estatal é estreita. Para Frei Sérgio Gorgen, dirigente do
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), “No
Plano Safra 2009/2010 foram destinados 93 bilhões para o agronegócio e 15
bilhões para a agricultura camponesa”.
Além de ser desproporcional o fornecimento de subsídios, outras formas de
privilégios são fornecidas ao latifúndio, como a Medida Provisória que legaliza
a grilagem de terra na Amazônia, a flexibilização da legislação ambiental e
trabalhista, sem contar a falta de investimento em atividades de fiscalização
no combate, por exemplo, ao trabalho escravo.
O Fórum mineiro de Reforma Agrária divulgou informações a mais ao artigo
publicado na Folha de São Paulo do dia 06 de janeiro de 2013 que tentou demonstrar
a ineficiência do atual Governo brasileiro quanto a reforma agrária.
Para o Fórum mineiro de Reforma
Agrária as políticas de reforma agrária no Brasil,
na Bolívia e no Paraguai, por exemplo, têm um forte obstáculo: o agronegócio:
“Este
complexo de sistemas das corporações multinacionais está desafiando os
movimentos camponeses no impedimento da reforma agrária, ora pressionando os
governos, ora fazendo parte do arco de alianças de apoio aos governos de
direita, centro e esquerda na América Latina, ao que o PT não fugiu a regra, e
fez acordo para fins eleitorais, através, especialmente das usinas de cana de
açúcar e empresas produtoras de laranja (leia-se SUCO CÍTRICO CUTRATRALE), em
sua boa parte localizadas no interior de São Paulo, coincidentemente, região do
responsável financeiro pela campanha da petista Dilma Russef,
Antônio Palocci”.
Segundo o referido Fórum, um
exemplo real e atual desse acordo acontece em Iaras, interior de São Paulo,
área comprovadamente grilada pela citada empresa e ocupada pelo MST (Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que foi violentamente rechaçada, e no
interior de Minas Gerais, na cidade do Prata, região do Triângulo Mineiro,
próximo do interior paulista, onde a CUTRALE possui seis fazendas, e em uma
delas, denominada Fazenda Vale Azul, com área irregular também, com degradação
ambiental, com trabalho degradante, e o governo federal, nada faz, e por
informação do próprio superintendente do INCRA em Minas Gerais , a casa
civil afirmou que tem interesse na área, mas não para a reforma agrária.
O agronegócio avança no
Brasil e, além do apoio do governo federal, cujas campanhas financiou, conta com
o poder judiciário que se faz conivente, haja vista a grande impunidade e
morosidade dos processos que envolvem a luta pela terra, tanto os de
desapropriação, quanto os processos criminais em que trabalhadores rurais ou
seus apoiadores foram vítimas de
homicídios e atentados.
Neste sentido, podemos citar
o massacre de Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais , em que
cinco trabalhadores rurais foram executados há oito anos e o mandante do crime,
réu confesso, continua solto. O julgamento estava agendado para 17 de janeiro
de 2013 e, às vésperas, foi adiado sem definição de nova data. Mais alarmante
ainda: a fazenda, área grilada, parcialmente terra devoluta, tem a reintegração
de posse a favor do assassino, determinada pelo judiciário.
O Portal Minas Livre[7],
no dia 06 de fevereiro de 2013, trouxe a seguinte manchete: “Juízes acusados de
favorecer latifúndio podem ser afastados”. Uma audiência Pública na Assembleia
Legislativa de Minas Gerais, neste mesmo dia, aprovou um requerimento ao
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pedindo o afastamento do Juiz Titular da
Vara Agrária em Minas
Gerais e da Juíza da 12ª Vara Federal que, segundo várias
denúncias, tem agido com favorecimento aos grandes proprietários de terra em Minas Gerais , ao
expedir liminares de reintegração posse de latifúndios que não cumprem a função
social, sem visitar as áreas ocupadas e sem ouvir as famílias sem terra que,
por necessidade, tiveram que ocupar essas áreas.
A matéria traz o depoimento do
representante do acampamento de Rio Pardo de Minas, Isaías de Oliveira, que relatou
que as famílias foram despejadas do local de forma irregular. “Fomos despejados na véspera do Natal e não
tivemos como pegar nossas barracas e nem nossos pertences. Nossas criações
ficaram todas no local. Apesar da terra ser devoluta, o juiz da vara de
conflitos agrários, Octávio Almeida, mandou fazer a reintegração de posse”,
disse.
Essa é a realidade agrária
brasileira, da qual Minas Gerais é um triste exemplo, afirma o Fórum Mineiro de
Reforma Agrária.
“O INCRA, órgão que deveria prestar o serviço a esses
trabalhadores rurais, buscando terras que não cumprem a função social para
assentá-los e estruturar os assentamentos, tem sido conivente com o agronegócio. Não avalia, como manda a lei e a Constituição,
crimes ambientais e trabalhistas, não vistoria as áreas e quando compra áreas,
são de dificílimo acesso para trabalhadores que quando muito possuem um carro
velho para escoar sua produção sofrida e conseguida sem apoio nenhum do governo
federal, um completo descaso, abandono, e o apoio a empresas que possuem
trabalho degradante e terra grilada como a SUCO CITRICO CUTRALE justamente por
acordos de campanhas políticas, processos secretos sem direito a vista por
trabalhadores que sequer sabem o resultado das vistorias”.
O compromisso do Governo Federal com o agronegócio não permite a desapropriação
de terras para fins de Reforma Agrária. Resta a resistência militante dos
trabalhadores urbanos e rurais organizados frente a essa tremenda violação.
A crise climática se agrava com o avanço da fronteira agrícola, pois o
Brasil é o quarto país do mundo que emite mais gás carbônico na atmosfera,
sobretudo em conseqüência da destruição da floresta amazônica que representa
80% das emissões de carbono no país.
A produção de alimentos vem sendo cada vez mais substituída pela expansão
dos monocultivos para produção de agroenergia e isto vem ocupando as melhores
terras, inclusive as áreas de proteção ambiental na Amazônia e Cerrado.
A água tem se transformado em monopólio. A produção de agroenergia tem agravado
a poluição das fontes de água potável e a qualidade das águas subterrâneas dos
rios, litorais e nascentes vem sendo impactada pelo crescente uso de
fertilizantes e pesticidas usados nos agrocombustíveis. Dados da ONU apontam
para um número de 1,2 bilhões de pessoas que não tem acesso a água potável, 2,4
bilhões que não tem acesso a saneamento básico e todos os anos, 2 milhões de
crianças morrem por doenças causadas por água contaminada. Nos países mais
pobres, uma em cada cinco crianças morre antes dos cinco anos de idade por
doenças relacionadas à contaminação da água.
O setor sucro-alcooleiro vem, cada vez mais, sendo monopolizado pelo
capital internacional. Com crescentes incentivos do governo, empresas
estrangeiras são atraídas pela produção de agroenergia e pretendem lucrar com a
expansão do setor. Terras e usinas são compradas por estas empresas para a
produção de etanol. O que vai surgindo é a desnacionalização da indústria e do
território brasileiro.
Uma nova característica da indústria do etanol é a aliança entre os
setores do agronegócio com empresas petroleiras, automotivas, de biotecnologia,
mineração, infraestrutura e fundos de investimento com total ausência de
contradição com a oligarquia latifundista, ambas beneficiadas com a expansão do
capital no campo, com o apoio do governo e com o abandono de um projeto de reforma
agrária.
Com a expansão dos monocultivos e a exploração do trabalho, o trabalho
escravo permanece altamente presente no Brasil e é campeão no número de usinas de
cana. Dados da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo da CPT, em
2007, dos 5.974 trabalhadores resgatados da escravidão no campo brasileiro,
3.060 ou 51% foram encontrados no monocultivo da cana de açúcar.
Empresas incluídas na chamada “lista suja” do governo, por realizar
trabalho escravo, como a Brenco, continuou sendo beneficiada pelo BNDES.. Entre
2008 e 2009, o BNDES liberou 1 bilhão para as usinas da Brenco em Mato Grosso , Mato
Grosso do Sul e Goiás. Ao mesmo tempo, 107 autos de infração foram expedidos
contra a referida empresa que é presidida
pelo ex-presidente da Petrobrás, Henri Philippe Reichstul[8].
Além da real situação de desemprego por causa da expulsão dos camponeses
de suas terras, as condições de trabalho degradantes são um dado alarmante com
a expansão de monocultivos para produção de agroenergia. Registra-se uma exigência das usinas de cana
de 12 a
15 toneladas por dia por cada trabalhador. O não cumprimento da meta pode
resultar na demissão do trabalhador e seu nome colocado em uma lista que
circula pelas demais usinas impedindo-o de trabalhar na safra seguinte.
Salários ínfimos e em desacordo com a produção. Os trabalhadores não têm
o controle da produção. À hora do pagamento são muitos os descontos. Pagam
aluguéis caros, saem de casa muito cedo e tem que levar comida, pois a
indústria não fornece. Os problemas de saúde são muitos.
As doenças causadas pelo trabalho, as mutilações e até mortes de
trabalhadores são uma realidade nas usinas de cana de açúcar. Tendinites,
problemas de coluna, deslocamento de articulações e câimbras. Raramente, tais
situações são reconhecidas como acidentes de trabalho e ficam sem qualquer
remuneração.
A migração, sobretudo de trabalhadores vindos do nordeste para São Paulo,
faz parte do grande contexto dos trabalhadores. A vinda destes trabalhadores
para São Paulo é fruto do desemprego causado pelo modelo agrário baseado no
monocultivo e no latifúndio. As cidades dormitórios crescem nas regiões dos
canaviais. Os trabalhadores vivem em cortiços ou barracos superlotados, sem
ventilação ou condições de higiene, pagando por um custo alto e sofrendo vários tipos de exploração.
Também no que se refere ao trabalho escravo, a impunidade é total. Não
bastasse a legitimidade dada pelas políticas de governo de financiamento às
empresas que utilizam o trabalho escravo, também aqui, no judiciário, a morosidade
dos processos e a impunidade são alarmantes, haja vista a chacina que aconteceu
em Unaí em 2004, onde foram assassinados 03 fiscais da Delegacia Regional do
Trabalho e um motorista, justamente porque denunciaram o trabalho escravo na
região, como expressa, indignado, Frei Gilvander Luis Moreira, assessor da CPT
em Minas Gerais[9]:
“Era dia 28 de janeiro
de 2004, 8h20 da manhã, em uma emboscada, cinco jagunços dispararam rajadas de
tiros em quatro fiscais da Delegacia Regional do Ministério do Trabalho, perto
da Fazendo Bocaina, município de Unaí, Noroeste de Minas Gerais. Passaram-se 1,
2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 anos. Já foi aprovada a Lei 12.064, que criou o dia 28 de
janeiro como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Mas e a Justiça? Por
onde anda? No dia 28 de janeiro de 2013 completam 9 anos da chacina”.
Também
neste caso, com julgamento previsto para fevereiro de 2013 por pressão dos
movimentos sociais e populares, a juíza da 9ª Vara Federal de Belo
Horizonte, Raquel Vasconcelos Alves de Lima, responsável pelo processo,
declinou da competência para a Justiça Federal no município de Unaí, retirando
o processo de Belo Horizonte e retardando o julgamento. Importante destacar que
a competência em relação ao lugar no direito processual é relativa e a Vara da
Justiça Federal em Unaí foi criada em 2010, muito depois da ocorrência do crime
que se deu em 2004. Afirma, na referida nota, Frei Gilvander Luis Moreira:
“Enquanto reina a injustiça e a impunidade, o município
de Unaí se transformou em campeão na produção de feijão, no uso de agrotóxico e
no número de pessoas com câncer. Relatório do deputado Padre João (PT)
demonstra que o número de pessoas com câncer, em Unaí, é 5 vezes maior do que a
média mundial. A cada ano, 1260 pessoas contraem câncer na cidade. Aliás, um
hospital do câncer já está sendo construído na cidade, pois ficará menos
oneroso do que levar toda semana vários ônibus lotados de pessoas para se
tratarem de câncer no Estado de São Paulo. A terra, as águas e a alimentação
estão sendo contaminadas pelo uso indiscriminado de agrotóxico. Trabalho
escravo e agrotóxicos matam”!
Unaí,
Felisburgo e outros lugares destacados acima representam o atual retrato do
Brasil e o projeto político de utilização da terra.
CONCLUSÃO
A medida essencial e urgente para superar as violações de direitos
básicos no Brasil continua sendo a reforma agrária. Faz-se urgente um modelo
agrícola baseado na agroecologia e na diversificação de produção.
O latifúndio continua sendo o responsável pela violência no campo por
meio das milícias armadas. Uma ampla reforma agrária que propicie o acesso a
terra para milhões de trabalhadores sem-terra, aumentando a produção de
alimentos para o Brasil é o que irá eliminar a fome. Políticas de subsídios
para a produção de alimentos provenientes da agricultura camponesa e familiar,
o fortalecimento das organizações sociais rurais que defendem um novo modelo
alicerçado na produção diversificada e a construção da soberania alimentar são
alternativas para uma reforma agrária ampla e massiva, medida de extrema
urgência.
Junto a isto se torna imprescindível regulamentar o artigo 153 da
Constituição Federal atual, criando o imposto sobre as grandes fortunas. Não é
suficiente ou até se pode questionar a eficácia das políticas de transferência
de renda como meios de emancipação. O estímulo ao consumo não pode ser visto
como meio de inclusão. Não basta transferir renda, precisa-se distribuir
rendas, gerar equidade. Para isto, é fundamental Reforma Agrária ampla, sob a
perspectiva dos trabalhadores Sem Terra da Via Campesina e reforma urbana – que
é diferente de urbanização de favelas -, Educação, saúde, alimentação, moradia
e todos os demais direitos sociais e fundamentais de qualidade garantidos a
todas as pessoas.
A tão esperada reforma agrária não saiu do papel da Constituição já
editada várias vezes. Tal projeto cada vez mais se distancia dos planos de
governo e resta ao povo, a resistência, o ato de ocupar. Aliás, a desobediência
civil se legitima quando o direito é garantido e não se fazem por efetivá-lo
aqueles que têm o dever de fazê-lo. Se perguntarem qual a saída, apontamos a
resistência, a organização popular no campo e na cidade, o empoderamento
consciente das classes trabalhadoras. Lutar de forma organizada é preciso, pois
o capitalismo tende sempre a violentar pessoas, a devastar o meio ambiente,
isso de forma gradativa. Por isso o capitalismo é barbárie. A alternativa é
transformação social que leve ao socialismo. O caminho passa pela luta de
massas, pelo povo organizado na conquista do poder.
[1] Diretora
da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
[2] Editora
Verbena. Brasília, 2011.
[3] Depois
da Namíbia, África do Sul, , Lesoto, Botsuana, Serra Leoa, República da África
Central, Haiti, Colômbia e Bolívia.
[4] O Human
Rights Watch : “as polícias de São Paulo e do Rio de Janeiro, juntas, mataram
mais de 11 mil pessoas desde 2003(…) Muitos policiais compõem “esquadrões da
morte” ou no caso do Rio de Janeiro, milícias ilegais armadas, responsáveis por
centenas de mortes todos os anos”.
[5] O CNDDH
fica situado em Belo
Horizonte , à Rua Paracatu, 969, Bairro Barro Preto, e tem
como um de seus objetivos combater a violência contra a população em situação
de rua e os catadores de material reciclável.
[6] IBGE,
Censo agropecuário 2006HTTP://www.ibge.gov.br/home/estatística/economia/agropecuária/censoagro/brasil_2006/Brasil_censoagro2006.pdf.
, acesso em 02/02/2013.
[7]
Disponível em: <http://www.minaslivre.com.br/movimentos-sociais/4315-requerimento-pede-afastamento-de-juizes-acusados-de-favorecer-proprietarios-de-terra>.
Acesso em 10.02.13.
[8] Folha de
São Paulo, BNDES é sócio de usina acusada de usar trabalho escravo, 30/06/09.
[9]
Disponível em: < http://www.sitraemg.org.br/noticia/exibir/21919/artigo-do-frei-gilvander:-chacina-dos-fiscais-em-unai---nove-anos-depois-justica-a-vista>
Acesso em 10.02.13.
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