ASSOCIAÇÕES CIVIS SEM FINS
LUCRATIVOS E A EMISSÃO DE NOTA FISCAL -
VIABILIDADE JURÍDICA/CONTÁBIL
Associações de
Catadores de Materiais Recicláveis têm nos consultado acerca da possibilidade
ou não da emissão de nota fiscal, enquanto associação, pessoa jurídica de direito
privado, sem fins lucrativos.
A questão levantada,
na grande maioria dos casos, parte da possibilidade de contratação dos
empreendimentos de catadores, associações e cooperativas, pelos entes
federados, sobretudo as prefeituras, ou por grandes geradores de resíduos
sólidos, para prestarem serviços de coleta, triagem e destinação final adequada
do material reciclável, podendo, inclusive, as associações e cooperativas, atuarem
em todas as etapas do manejo de resíduos sólidos, o que é uma demanda e uma
realidade atual. A seguir, apresentaremos a questão sob a perspectiva da Lei
12.305 de 2010, Política Nacional de Resíduos Sólidos e do Decreto 7.404 também
de 2010, que a regulamenta, dentre outras perspectivas jurídicas e precedentes.
DA POLÍTICA NACIONAL DE
RESÍDUOS SÓLIDOS - E DO DECRETO 7.404 DE 2010 QUE A REGULAMENTA
A Lei Federal
12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, é uma
medida afirmativa de política pública e destina-se a, não somente a estabelecer
princípios e diretrizes gerais no manejo dos resíduos sólidos no Brasil, mas,
também, a enfrentar a discriminação estrutural que sofre o grupo social
vulnerável de catadores de materiais recicláveis em todo o País. Essa lei tem,
como um dos princípios, o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e
reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda
e promotor de cidadania (art. 6º, VIII da Lei 12.305/10).
Dentre os
instrumentos previstos na Lei 12.305/10 para implementação da Política Nacional
de Resíduos Sólidos está a coleta seletiva e os sistemas de logística reversa
relacionados à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de
vida dos produtos, assim como o incentivo à criação e ao desenvolvimento de
cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais
reutilizáveis e recicláveis (art. 8º, incisos III e IV).
Um dos objetivos da
Política Nacional de Resíduos sólidos é “a integração dos catadores de
materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.” (Art. 7.º da Lei 12.305/10).
O associativismo e o
cooperativismo, forma de organização utilizada pelos catadores de material reciclável
em todo o Brasil, é constitucionalmente e legalmente assegurado e a Lei
8.666/93, possibilita, inclusive, a
contratação e a remuneração dos catadores e seus empreendimentos, pelo gestor
público, com dispensa de licitação (Art. 24, XVII).
O Plano Nacional de Resíduos Sólidos (2012)
em suas diretrizes e estratégias, ao tratar da disposição final ambientalmente
adequada de Rejeitos, na diretriz que aborda a eliminação dos lixões, permite o
aporte de recursos, com dignidade e remuneração do trabalho dos catadores,
dotando-os de infraestrutura, capacitação e assistência técnica.
O artigo 44 do Decreto 7.404 de 2010, que
regulamentou a Lei 12.305 de 2010, para assegurar a contratação dos
empreendimentos de catadores, prescreveu:
Art. 44. As
políticas públicas voltadas aos catadores de materiais reutilizáveis e
recicláveis deverão observar:
(...)
I - a
possibilidade de dispensa de licitação, nos termos do inciso XXVII do artigo 24
da Lei 8666 de 1993, para a contratação de cooperativas ou associações de
catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.
Tal dispensa de
licitação foi assegurada pelo inciso XXVII do artigo 24 da Lei 8.666 de 1993,
acrescentado pela Lei 11.445 de 2007, que trouxe as diretrizes nacionais para o
saneamento básico no Brasil.
Art. 24. É
dispensável a licitação:
XXVII - na contratação da
coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis
ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou
cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda
reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis,
com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de
saúde pública. Grifo nosso.
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
no Guia publicado em 2014 que orienta os promotores do Brasil no monitoramento
da execução da Política de Resíduos Sólidos, assim se manifestou:
“Tratando-se da gestão integrada e compartilhada para o gerenciamento dos resíduos
sólidos, conforme prevê a legislação, é de se concluir que os Municípios estão
obrigados a promover a contratação das associações e cooperativas de catadores
de materiais recicláveis, em todas as etapas da gestão”[1].
Como se vê, a Contratação está assegurada em
legislações federais e não restam dúvidas acerca de sua possibilidade legal,
inclusive com dispensa de licitação, quando realizada pelos municípios ou entes
federados. A Lei 12.305 de 2010 fala de empreendimentos de catadores e em
nenhum momento, nem ela e nem as demais leis, decretos e regulamentos que
tratam do tema, descartam as associações.
Contudo, à hora da Contratação, esbarra-se na
questão da possibilidade ou não de as
associações emitirem nota fiscal pela comercialização dos recicláveis e/ou pela
prestação de serviços.
Quando se trata da comercialização –
circulação de mercadorias – o imposto a ser recolhido é de competência do
Estado, o ICMS. Quando se trata da prestação se serviços, o que se adequa a
consulta em tela, o imposto é de competência do município, o ISS.
Parecer
positivo, afirmando ser possível a emissão de nota fiscal por associações, da
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN/CAT/Nº 173/2012), após consulta formulada pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA), acerca da legalidade da emissão de nota fiscal
pelas Associações de Agricultores Familiares, quando da comercialização de seus
produtos junto ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), manifestou-se
por intermédio da Nota Cosit nº 319, de 26 de setembro de 2011, cujo conteúdo,
em parte, segue abaixo:
Observa-se, de início, que a
regulamentação da matéria compete aos estados e municípios. A emissão de nota
fiscal de venda de produto ou serviço e a correspondente inscrição estadual e
municipal para fins de incidência do imposto estadual ou municipal são
providências a cargo do contribuinte, e ele o faz de acordo com a orientação do
ente político titular da competência tributária em relação a cada tributo.
Os produtores rurais podem vender sua
produção diretamente ao consumidor final, a estabelecimento comercial ou a
instituição de atendimento coletivo (uma escola, por exemplo), ou podem
organizar-se em associações ou em cooperativas, visando ao aprimoramento dos
negócios e à maior competitividade em termos de preço e qualidade do produto ou
serviço.
(...)
Não é da natureza da associação realizar
atividade econômica, com intuito de lucro. Porém,
não há impedimento legal a que se realizem certas e determinadas atividades no
interesse dos associados, desde que se aplique o eventual resultado no
desenvolvimento do objeto estatutário. Isso não descaracteriza a natureza da
associação nem a transforma em cooperativa ou qualquer espécie econômica.
Ao realizar ou intermediar atividade que
configure fato imponível do ponto de vista tributário, a associação pode se
sujeitar ao pagamento do tributo daí decorrente ou, quando menos, chamar para
si a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação respectiva. No que concerne ao imposto estadual
sobre a circulação de mercadoria ou serviço (ICMS) e ao imposto sobre serviços
de qualquer natureza (ISS) a associação fica responsável pelo recolhimento em
nome dos associados.
O
contribuinte, na hipótese, é o associado, mas a associação pode requerer a
inscrição estadual ou municipal em seu próprio nome e, assim, emitir a nota
fiscal correspondente. Por outro lado, como a competência
para legislar sobre o assunto é do respectivo ente federativo, cada um pode
dispor como melhor lhe aprouver. Assim, não se pode esperar regra uniforme a
viger em âmbito nacional.
No Distrito Federal a inscrição no
Cadastro Fiscal é feita em nome do produtor rural, conforme art. 24 do Decreto
nº 18.955, de 22 de dezembro de 1997. A inscrição pressupõe uma atuação
individual do produtor. Porém, se dois ou mais produtores se organizam em
associação, a inscrição pode ser requerida por esta, que na hipótese estará
representando seus associados.
A legislação estadual prevê, para o caso
do ICMS, a nota fiscal avulsa, destinada a contribuinte que não tenha inscrição
estadual e realize, de forma não contínua, operação de venda de produto. O
Fisco fornece uma nota fiscal específica para a operação.
(...)
Com base no exposto, conclui-se:
A operação de venda da produção rural
realizada pelo próprio produtor (pessoa física) é sujeita à incidência do
imposto estadual (ICMS), o qual é exigido de acordo com a legislação tributária
de cada estado;
Se a comercialização da produção for
feita por associação de produtores, poderá
esta requerer a inscrição estadual em seu próprio nome, e emitir a nota fiscal
correspondente, ainda que o estado institua isenção em relação à operação;
(...)
Como se vê da manifestação da RFB, na
ausência de regramento uniforme a viger em âmbito nacional, a emissão de
documento fiscal pelas Associações de Agricultores Familiares, quando da
comercialização dos gêneros alimentícios produzidos por seus associados, deverá
observar a legislação de regência emanada do ente político que detém a
competência para a instituição da norma tributária impositiva. Em se tratando
de ICMS, a fixação dos requisitos e condições para emissão de nota fiscal ou
documento equivalente caberá aos Estados-Membros e ao Distrito Federal.
(...)
Para fins de registro, e sem qualquer
pretensão de exaurimento da matéria, no âmbito do Estado de Minas Gerais[2], a
associação da agricultura familiar, para representar seus filiados produtores
rurais, deve ser inscrita no Cadastro de Contribuintes do ICMS, caracterizada
com a inscrição coletiva de que trata o § 1º do art. 441 da Parte 1 do Anexo IX
do RICMS/02 (Decreto n° 43.080, de 13 de dezembro de 2002).[3]
Tal inscrição é concedida à cooperativa
ou à associação para cumprir obrigações tributárias e realizar operações de
circulação de mercadorias remetidas por seus cooperados/associados ou
destinadas a esses.
(...).
Conclusivamente, é positiva a resposta à
indagação do Órgão Consulente. Isto é, a
exemplo do que ocorre no Estado de Minas Gerais, as associações de agricultores
familiares poderão, e deverão, emitir nota fiscal pela comercialização dos
gêneros alimentícios produzidos por seus filiados, observadas as
respectivas normas estaduais/distritais. Caberá à associação informar-se
perante a autoridade fazendária estadual/distrital competente sobre o
procedimento e documentos necessários a sua inscrição no cadastro de
contribuintes, e via de consequência à autorização para emissão da nota fiscal
ou documento equivalente. Situações específicas não contempladas expressamente
na legislação do ICMS do respectivo ente federado deverão ser solucionadas com
o auxílio da unidade fazendária estadual/distrital competente.
CONCLUSÃO
O
Parecer acima trata das associações de agricultores familiares, mas é
perfeitamente aplicável às associações de catadores de materiais recicláveis,
no que tange a comercialização dos materiais recicláveis e a prestação de
serviços via contratação.
No que se refere à prestação de
serviços, via contratação, o imposto, ISS, é municipal e, portanto, cada município
tem o dever-poder de regulamentar o procedimento, junto às associações.
Como dito acima pela Procuradoria
Geral da Fazenda Nacional, “não há
impedimento legal a que se realizem certas e determinadas atividades no
interesse dos associados, desde que se aplique o eventual resultado no
desenvolvimento do objeto estatutário. Isso não descaracteriza a natureza da
associação nem a transforma em cooperativa ou qualquer espécie econômica”.
A
Associação, em nome de seus associados, poderá requerer a inscrição municipal
e/ou estadual e emitir a nota fiscal em nome de seus associados.
Importante
considerar que associações, sem fins lucrativos, podem gozar de imunidade
tributária nos termos do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal, tema que
abordaremos em matéria posterior. A nota fiscal pode ser emitida, mesmo gozando
da imunidade.
Em Minas Gerais, no âmbito do
Estado, existe um procedimento diferenciado para as associações de agricultores
familiares, com procedimento simplificado e isenção do ICMS. Esse procedimento
pode ser perfeitamente aplicável às associações de catadores.
Belo
Horizonte, 22 de abril de 2016.
Maria do
Rosário de O. Carneiro.
[1] Conselho Nacional do Ministério Público. Guia de
atuação ministerial: encerramento dos lixões e Inclusão social e produtiva de catadoras e
catadores de materiais recicláveis – Brasília : CNMP, 2014.
[2] O Estado de Minas
Gerais, através das Secretarias de Estado de Fazenda - SEF, de Agricultura, de
Pecuária e Abastecimento - SEAPA, de Desenvolvimento Econômico - SEDE e da
EMATER-MG, firmou o Protocolo de Intenções 4.44/09 para viabilizar tratamento
tributário simplificado e diferenciado, com o objetivo de incentivar a
comercialização de produtos da agricultura familiar, realizada por cooperativa
ou associação de produtores da agricultura familiar. Informação obtida no
endereço eletrônico <http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/legislacao_tributaria/orientacao/orientacao_001_2010.htm>.
Acesso em 24 janeiro 2012.
[3] É o que se extrai da
Orientação Tributária DOLT/SUTRI Nº 001/2010. Disponível em <http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/legislacao_tributaria/orientacao/orientacao_001_2010.htm>.
Acesso em 24 janeiro 2012.
Bom dia Maria, tudo bem
ResponderExcluirA associação pode emitir fiscal do serviço que o associado presta a terceiros e cobrar uma percentagem do valor?
E como é tratado o valor que fica com o associado, não tem nenhuma tributação? Alguns associados solicitaram informes de rendimentos para declarar o IR, e me deu este nó na cabeça.
Desde já obrigada.
Quando algyem vem a associação de catadores e que compra 500 garrafas pet e pede nota fiscal ou recibo?
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