IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS OSCIPs E DEMAIS ORGANIZAÇÕES DA
SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS.
I – DA CONSULTA
Tenho
sido consultada sobre a viabilidade de pessoas jurídicas de direito privado,
sem fins lucrativos, qualificada como Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIP) e Organizações da Sociedade Civil, sem fins
lucrativos (OSCs), gozarem de imunidades e isenções tributárias. Apresento
breves considerações acerca do tema.
II – DO DIREITO
O
tema em destaque está inserido em um contexto maior, denominado tributação do
terceiro setor, aquele composto por entidades da sociedade civil de fins
públicos e não lucrativos. Esse terceiro setor coexiste com o primeiro setor,
que é o Estado e o segundo setor, que é o mercado. Uma questão superada no
mundo jurídico é o fato de que o texto, enquanto conjunto de enunciados
prescritivos, não se confunde com a norma, juízo de significação a ser
construído a partir da leitura dos textos, tendo por base uma interpretação
sistêmica e constitucional. Com base nestas premissas deve-se olhar a questão
imunizatória que se impõe a atual Constituição brasileira de 1988, em seu
artigo 150, VI, “a”, § 2º, que assim dispõe: “Art. 150 - Sem prejuízo de outras
garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – Instituir impostos sobre: a)
Patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; (...) § 2º A vedação do inciso
VI, “a”, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo
Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços,
vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.” Também a
Constituição brasileira em seu artigo 195, § 7º, preceitua: “Art. 195, § 7º.
São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes
de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”. Superada
a questão técnica da expressão “isenção,” visto que é pacífico
jurisprudencialmente e doutrinariamente o entendimento de que o § 7º, acima
referido, ao falar de isenção está tratando de imunidade. O fato é que
determinadas entidades que desenvolvem e fomentam atividades de interesse
público sem fins lucrativos estão acobertadas por uma ampla imunidade
tributária fundamentada em uma interpretação sistêmica dos artigos 150, VI,
“a”, § 2º e 195, § 7º, ambos da Constituição federal, incluindo aí os impostos
e as contribuições sociais em sentido amplo. Interpretação diferente disso
contraria o interesse público que subjaz ao texto constitucional, pois a
interpretação dos preceitos imunizatórios, nesse sentido, há que ser ampla. A
interpretação das imunidades, conforme o ensinamento de Regina Helena Costa
deve ser feita de modo a efetivar o princípio ou liberdade por ela densificado,
dando, portanto, a eficácia por ela protegida. Deve ser efetuada na exata
medida para fazer surgir dela o valor albergado. No caso em questão os
preceitos imunizatórios do art. 150, VI, “a”, § 2º e 195. § 7º da Constituição
federal protegem o desenvolvimento e fomento das atividades de interesse
público exercido pelas OSCIPs que, de certo modo, substitui obrigações que
inicialmente caberia ao próprio Estado e, como lembra Maria Sylvia Zanella Di
Pietro, o Estado paulatinamente vai atribuindo tal missão de desenvolver
determinados serviços públicos na área social à iniciativa privada através de
Termos de Parcerias. Tributar tais serviços é a mesma coisa que o Estado
tributar a si próprio. Zanella di Pietro também recorda que os teóricos da
Reforma do Estado incluem as entidades, consideradas “paraestatais”, dentre
elas as OSCIPs, no que denominam de terceiro setor, assim entendido aquele que
é composto por entidades da sociedade civil de fins públicos e não lucrativos .
Precisamente, destaca Di Pietro, “pelo interesse público da atividade, recebe
proteção e, em muitos casos, ajuda por parte do Estado, dentro da atividade de
fomento ”, atendendo requisitos impostos pela lei, o que lhe confere títulos ou
qualificação como no caso das OSCIPs, de Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público. Teóricos da Reforma do Estado, sem descartar a expressão
terceiro setor, incluem tais entidades entre as “públicas não estatais” no
sentido de que são públicas porque prestam atividade de interesse público e não
estatal porque não integram a Administração Pública direta ou indireta. As
imunidades, por estarem vinculadas à proteção dos direitos fundamentais, avoca
o princípio “in dubio pro libertate” e toda interpretação acerca das
mesmas deve garantir os direitos de liberdade e os princípios de justiça, em
especial a capacidade contributiva equilibrando com a segurança jurídica. Neste
sentido, os direitos fundamentais protegidos por tais entidades são todos os
seus objetivos precisos e claros, constantes de seu Estatuto Social e de sua
reconhecida prática de exercício de atividade de interesse público. Importa
reiterar que a interpretação dos preceitos imunizatórios postos no texto
Constitucional há que ser efetivada de forma ampla. Nesse sentido, tanto os
Tribunais superiores quanto a doutrina defendem a interpretação ampla para as
imunidades. Importa destacar uma das decisões do Superior Tribunal de Justiça
que perfeitamente se agasalha ao caso em tela: Ag. Rg. no AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL Nº 187.172 - DF (2012/0117403-3) RELATOR: MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO AGRAVANTE: DISTRITO FEDERAL PROCURADORA: ÚRSULA RIBEIRO DE FIGUEIREDO
TEIXEIRA E OUTRO(S) AGRAVADO: ASSOCIAÇÃO DAS FILHAS DE NOSSA SENHORA DO MONTE
CALVÁRIO ADVOGADO: ERICH ENDRILLO SANTOS SIMAS E OUTRO(S) EMENTA AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SEM
FINS LUCRATIVOS. IMUNIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE, FUNDADO NAS PROVAS DOS AUTOS
E EM PERÍCIA TÉCNICA, CONCLUI PELO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 14 DO
CTN. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DO
CERTIFICADO DE ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, PELO TRIBUNAL A QUO, QUE
DESATENDE À FINALIDADE DA NORMA IMUNIZANTE. AGRAVO REGIMENTAL DO DISTRITO
FEDERAL DESPROVIDO. 1. A incidência da norma imunizante constante no art. 150,
VI, c da CF/88 e 9º, IV, c do CTN, além dos requisitos do art. 14 do CTN, deve
levar em consideração a interpretação teleológica do dispositivo normativo, de
modo a alcançar a diretriz hermenêutica que, de maneira firme e exata,
salvaguarde, efetive e densifique o princípio, o valor ou a liberdade albergada
pelo dispositivo. 2. A imunidade tributária conferida às instituições de
assistência social sem fins lucrativos leva em consideração seu propósito
elementar de servir à coletividade, colaborando com o Poder Público no
exercício de funções precipuamente estatais e suprindo, dessa forma, as
deficiências prestacionais. 3. Condicionar a concessão de imunidade tributária
à apresentação do certificado de entidade de assistência social, quando a
perícia técnica confirma o preenchimento dos requisitos legais, implica
acréscimo desarrazoado e ilegal de pressupostos não previstos sequer em lei,
mormente quando o próprio texto constitucional prevê como condicionante apenas
a inexistência de finalidade lucrativa para que o sujeito seja contemplado com
o benefício fiscal. 4. O Tribunal a quo consignou, a partir da análise
de provas carreadas aos autos, inclusive provas periciais, estar demonstrado
que a recorrida enquadra-se no conceito de instituição de ensino sem fins
lucrativos, uma vez que preenche plenamente os requisitos previstos no art. 14
do CTN. 5. A conclusão assentada no acórdão recorrido encontra-se ancorada na
análise do conjunto fático-probatório, de modo que para sua reversão seria
necessário o reexame de fatos e provas, circunstância vedada pelo enunciado 7
da Súmula de jurisprudência desta Corte. 6. Agravo Regimental do DISTRITO
FEDERAL desprovido. Documento: 33827650 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado -
DJe: 27/02/2014 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça ACÓRDÃO Vistos,
relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEIRA Turma do
Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao Agravo Regimental,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Benedito
Gonçalves, Sérgio Kukina, Ari Pargendler e Arnaldo Esteves Lima votaram com o
Sr. Ministro Relator. Brasília/DF, 18 de fevereiro de 2014 (Data do
Julgamento). NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO MINISTRO RELATOR A jurisprudência acima
trata do artigo 150, VI, “c” da Constituição, mas a essência e a interpretação
é a mesma para o caso em tela. Leva em consideração a interpretação teleológica
da norma. Geralmente, as OSCIPs realizam também atividades de assistência
social e/ou de educação. Suas atividades são de interesse público, em
cooperação com os entes da federação. Realizam, em cooperação com o Estado, a
missão de efetivar direitos fundamentais. Portanto, é perfeitamente aplicável
às OSCIPs o artigo 150, VI, “a” da Constituição Federal, que veda à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos municípios, instituir impostos sobre
patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. Considerando que a OSCIP pode
administrar também recurso público na execução de suas finalidades, não lhe
assegurar a imunidade constitucional aqui defendida, seria violar a garantia
constitucional das imunidades recíprocas. III. I – DA LEI Nº 9.790 DE 23 DE
MARÇO DE 1999 A Lei 9.790 de 1999 dispõe sobre a qualificação de pessoas
jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e também institui o termo de
parceria, instrumento que formaliza o trabalho em cooperação entre o Estado
(Poder Público) e as OSCIPs. O artigo 3º do mencionado diploma legislativo
define os objetivos sociais que devem orientar as OSCIPs e as finalidades
atendidas pelas pessoas jurídicas para que possa receber tal qualificação. O
artigo 3º também expressa com clareza que as OSCIPs, e a doutrina reconhece
isto, com a qualificação, tornam-se uma longa manus do Poder Público, pois se
trata de uma organização da iniciativa privada exercendo em parceria com o
Poder Público, relevante missão de interesse social. José dos Santos Carvalho
Filho, ao tratar do tema da gestão por colaboração e das OSCIPs, afirma que
estas desenvolvem ações de utilidade pública, “reconhecendo que sua atividade
se preordena ao interesse coletivo, o Governo delega, a tais entidades algumas
tarefas que lhe são próprias, como forma de descentralização e maior otimização
dos serviços prestados”. A imunidade constitucional busca resguardar as
atividades de interesse público e por essa motivação visa não onerar atividades
que gerem benefícios diretos a sociedade, como no caso da Consulente e das
OSCIPs, que em suas atividades atendem e contribuem com a efetivação de
direitos fundamentais, obrigação primordial do Estado. Os preceitos
imunizatórios do artigo 150, VI, “a” (...) da atual Constituição
brasileira protegem o fomento das atividades de interesse público
exercido pelas OSCIPs, pois estas substituem e/ou colaboram com um atuar que
inicialmente cabe ao próprio Estado. Embora a Lei 9.790 de 1999, que instituiu
as OSCIPs, não tenha regulamentado acerca dos eventuais benefícios fiscais que
poderiam ser concedidos às entidades assim qualificadas, a supremacia da
Constituição e a consolidada interpretação ampla dos preceitos imunizatórios
confirmada pela doutrina e jurisprudência brasileira abrigam perfeitamente as
OSCIPs e lhes asseguram tais imunidades pela essência de seus objetivos e
finalidades, no trabalho em cooperação com o Estado, assegurando à coletividade
a efetivação de direitos fundamentais. Ademais, o instituto jurídico da
imunidade tributária protege os valores constitucionais albergados na Carta
Magna, isto é, imuniza a essência e não a forma, por isto que imune é a
liberdade de expressão e não o livro em si; imune não é a entidade em si
(OSCIP, Organização Social, Fundação), mas os seus objetivos essenciais, sem
fins lucrativos, o fato de exercer atividade de interesse público, fomentada
pelo Estado através dos chamados termos de parcerias. Por isso, tais entidades
são imunes a impostos e contribuições sociais nos termos do artigo 150, VI, “a”
e 195, § 7º da Constituição Federal, um corolário lógico-jurídico das
imunidades recíprocas conferidas aos entes da federação. Relevante dizer também
que as OSCIPs são entidades sem fins lucrativos, como as demais organizações da
sociedade civil e, além da possibilidade da imunidade tributária assegurada no
artigo 150, VI, “a” e 195, § 7º da Constituição Federal (imunidade recíproca),
gozam também da imunidade garantida no artigo 150, VI, “c” da Constituição, se
forem instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos e
atendam os requisitos do artigo 14 do Código Tributário Nacional. Importante
ressaltar a correta interpretação do que significa ser de educação, de
assistência social e sem fins lucrativos para gozar de tal imunidade.
CONCLUSÃO
Por
todo o exposto, é constitucionalmente e legalmente viável a aplicação da
imunidade tributária recíproca assegurada na atual Constituição brasileira às
OSCIPs. O Instituto jurídico da imunidade protege os valores constitucionais
assegurados na Carta Magna brasileira, isto é, imuniza a essência e não a
forma. Nesse sentido, os objetivos sociais legalmente defendidos e efetivados
pelas OSCIPs são a concretização da obrigação estatal de fazer, ou seja, de executar
direitos fundamentais de relevante interesse público. As OSCIPs não exploram
atividade econômica na forma do artigo 173 da Constituição brasileira, mas
exercem atividade de interesse público fomentada pelo próprio Estado e por isso
são imunes a determinados tributos, nos termos do artigo 150, VI, “a” e 195, §
7º da Constituição federal brasileira. Por ser corolário lógico-jurídico das
imunidades recíprocas conferidas aos entes da federação não é demais repetir:
as OSCIPs são uma espécie de “longa manus” do Estado, na medida em que
executa atividades de interesse público. Portanto, os entes da Federação,
União, Estados e Municípios, não somente devem lhe assegurar tal imunidade, mas
restituir valores pagos indevidamente a título de tributos dos quais são
imunes, pois trata-se de um dever constitucional dos entes da Federação e um
direito constitucional das OSCIPs, e das OSCs que atendam aos preceitos
constitucionais e legais. A imunidade tributária que a Constituição assegura às
OSCIPs e demais organizações da sociedade civil sem fins lucrativos não se
trata de nenhuma benesse ou tratamento tributário diferenciado. Trata-se de um
tratamento igualitário isonômico, de justiça tributária, pois tais entidades
realizam trabalhos que deveriam ser realizados pelo Estado e em muito
contribuem para assegurar a efetividade dos objetivos da Constituição
brasileira, sobretudo o de erradicar a pobreza e diminuir as desigualdades
sociais (Art. 3º, III).
Belo
Horizonte, 07 de setembro de 2016.
Maria
do Rosário de Oliveira Carneiro Advogada OAB/MG 127.040
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